quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

De vendedora de bolo a prefeita de São Paulo

Bem próximo das comemorações e reflexões atinentes ao Dia Internacional da Mulher, que acontecem em março, na coluna de hoje gostaria de retratar a vida de uma mulher que admiro bastante. A paraibana Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo e que recentemente teve que acorrer a amigos para pagar uma dívida com a Justiça Eleitoral.

Ao longo da minha vida jornalística de 25 anos, sempre acompanhei a trajetória de Erundina, tendo-a entrevistado algumas oportunidades. Mas graças à Internet, descobrir algumas passagens da ilustre e brava paraibana, como o fato dela ter sido Secretária de Educação da Prefeitura Municipal de Campina Grande e lutado, através das ligas camponesas, contra o regime militar na cidade.

Confira um pouco da vida política dessa mulher que serve de exemplo também para nós homens.

No dia 30 de novembro de1934, na periferia do povoado de Belém do Rio do Peixe (atualmente, cidade de Uiraúna) no sertão da Paraíba, nascia Luiz Erundina de Sousa. O seu pai, Antônio Evangelista de Sousa - conhecido como mestre Tonheiro - era agricultor e fabricante de selas e arreios de couro para cavalos; e, sua mãe, Enedina de Sousa Carvalho, vendia café e bolo na feira local, além de lutar em casa para criar os dez filhos.

Desde pequena, Erundina ajudava o pai no manejo do couro. Aos 10 anos de idade, ela emigra para Patos (PB), indo morar na casa de uma tia, para poder cursar o primário e o ginásio (hoje chamados de ensino fundamental). Para que seus irmãos também pudessem estudar, a jovem adolescente teve que trabalhar como balconista de um armazém. Posteriormente, foi ser professora, indo lecionar no Colégio das Irmãs de Caridade. Já em Campina Grande, ensinaria em uma escola de religiosas (o Instituto São Vicente de Paulo) e lideraria um coral.

Luíza Erundina sonhava ser médica, contudo, por dificuldades de ordens diversas, viu-se obrigada a suspender os seus estudos durante nove anos. Mesmo assim, ajudaria a fundar, em Campina Grande, a Faculdade de Serviço Social.

Por sua competência e intensa militância católica, ela assumiria, em 1958, o seu primeiro cargo público: aos 24 anos de idade, tornar-se-ia diretora de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Campina Grande. E, em 1964, seria nomeada secretária de Educação e Cultura dessa cidade.

Erundina graduou-se como assistente social, em 1966, pela Universidade Federal da Paraíba; e, em 1970, concluiu o mestrado em Ciências Sociais, pela Fundação Escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo.

Vale registrar que, em Campina Grande, na década de 1970, ela iniciava a sua atuação na esfera política, participando das Ligas Camponesas e fazendo oposição ao Golpe Militar. E que, naquela cidade e período histórico, a participação de mulheres nordestinas, na política, praticamente inexistia. Por essa razão, ela passaria a sofrer perseguições.

Foi em 1971 que Erundina decidiu se transferir para São Paulo, em definitivo; e, ainda nesse ano, foi aprovada em um concurso público para assistente social da Prefeitura, indo trabalhar com os nordestinos migrantes nas favelas da periferia do Estado.

Devido ao seu grande prestígio profissional, ela se elege, em 1979, presidente da Associação Profissional das Assistentes Sociais de São Paulo. E, ao lado de lideranças sindicais do ABC paulista, é convidada, pelo então metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, para ser uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT).

Em decorrência de sua grande militância política, em 1982, com 26 mil votos, ela se elege, também, vereadora pelo PT de São Paulo. Na eleição seguinte, obtém 35 mil votos para deputada estadual; em 1986, é reeleita deputada estadual; e, em 1988, vencendo os candidatos Paulo Maluf e José Serra, ela se torna a primeira prefeita da história de São Paulo, com 1.534.547 votos, governando a cidade até 1992.

Durante a gestão de Erundina, no Hospital Jabaquara foi inaugurado o primeiro serviço de atendimento a mulheres em casos de abortos previstos em lei (estupro e risco de vida da mãe). E, por solicitação dos familiares dos presos políticos mortos e desaparecidos durante o Regime Militar, apoiou a criação da Comissão Especial de Investigação das Ossadas de Perus, que se destinava a instalar uma CPI para investigar irregularidades nas valas clandestinas que eram descobertas.

Através daquela Comissão, em 1993 seria criado o Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado (IEVE 1), por ocasião da descoberta da vala clandestina de Perus (SP). Lá, foram encontradas 1.049 ossadas de presos políticos, indigentes e vítimas do esquadrão da morte. O Instituto teria como objetivo, ainda, a identificação dos responsáveis pela tortura, assassinatos e desaparecimento dos presos políticos (incluindo os que participaram da guerrilha do Araguaia), a partir de 1964, e a reparação moral e material de vítimas de repressão política.

Com o advento do impeachement de Fernando Collor, em 1992, Luíza Erundina seria convidada, pelo então presidente Itamar Franco (1992-1994), para se tornar ministra-chefe da Secretaria da Administração Federal. Por ter aceitado o cargo, contrariando a orientação do partido, o Diretório Nacional do PT decidiu suspender, por um ano, todos os seus direitos e deveres partidários. Na ocasião, segundo uma nota divulgada pelo PT, a deputada teria rompido com a disciplina partidária, ao não consultar a legenda sobre o assunto, e ao desrespeitar a decisão do partido de fazer oposição a Itamar. Dessa maneira, em 1997, depois de 17 anos de militância, ela sairia do PT.

Em 1998, bastante desgastada, Erundina transfere-se para o Partido Socialista Brasileiro (PSB); e, nesse ano, se elege deputada federal para a legislatura 1999-2003. No ano 2000, ela se candidata novamente à Prefeitura de São Paulo, mas perde a eleição para Marta Suplicy (PT). Em contrapartida, é reeleita deputada federal em 2002, para a legislatura 2003-2007, apoiando a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.

Cabe salientar que, toda a prática política de Erundina contém uma tônica pedagógica, fruto de sua vocação para educadora, como também de sua formação acadêmica e militâncias sindical e profissional. Segundo ela, a política é um instrumento de educação e organização do povo; e as mulheres não conseguiram ocupar, ainda, o espaço ao qual têm direito, uma vez que o seu preparo deixa a desejar.

Logo, a disputa entre os sexos exige das mulheres um esforço muito maior, já que a formação delas sempre as coloca em plano secundário, em se tratando da esfera do poder. E a sociedade se mostra muito mais tolerante com os homens. Sendo assim, a educação dos meninos é voltada para os valores que privilegiam o acesso à esfera pública – tais como o desenvolvimento da liderança, da competição - ao passo que, a formação das meninas, é sempre voltada para o trabalho doméstico, para o casamento, para a maternidade e a educação dos filhos. Esse processo é tão forte que, ao amadurecerem, elas reproduzem tais valores ao longo da vida.

E a política, crê Erundina, representa um instrumento de mudança, a possibilidade de se construir uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, onde todos tenham direito ao básico, ao fundamental.

Luíza Erundina de Sousa, nordestina, migrante, socialista, tem dedicado toda a sua vida ao trabalho de conscientização da população carente, em particular à parcela feminina da população, ajudando-a a melhor se organizar.


Uma frase de Luiza Erundina causou impacto:

“Vinda do sertão, onde nasci e enfrentei minhas primeiras lutas, talvez vocês se surpreendam com o que vou dizer agora. Para mim, a reforma do sistema de comunicação é hoje mais importante que a reforma agrária.”

É pra pensar...

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