terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Um parecer e uma pá de terra

Esta é uma semana decisiva para o Estado da Paraíba. O Tribunal Superior Eleitoral, leia-se o Ministro Eros Grau, deverá proferir sentença que vai decidir de uma vez por todas quem é realmente o Governador de uma vez por todas. Cássio ou Maranhão?

Os advogados de Cássio apresentaram os tais embargos declaratórios (recursos judiciais) no momento que o último funcionário do TSE estava pronto para ir para casa.

Nestes dias fiz uma nova leitura do que os advogados de Cássio apresentaram ao TSE para reformular a cassação (votada por 5 a 1 no TRE-PB e confirmada por sete a zero pelo TSE).

Pois bem. Foram apresentados alguns pontos considerados obscuros pelos advogados de Cássio: confusão entre os programas sociais; reafirmar que o programa social não aconteceu em período eleitoral; questionamento sobre afirmação feita no julgamento de que não existe lei que regulamente o programa social e nem previsão orçamentária para tal; e defesa pelo fato do vice-governador não ter proferido provas durante o julgamento no TRE.

O parecer de Ferraz
O parecer do Procurador Regional Eleitoral, José Guilherme Ferraz, datado de 28 de junho de 2007, sobre os tais cheques da FAC, é bastante esclarecedor em relação a esses pontos considerados obscuros pelos advogados de Cássio.

O vice
Essa história de dizer que o vice José Lacerda não participou do processo originário é falácia. No parecer, Guilherme Ferraz, às folhas. 1693/1694, admite José Lacerda Neto, candidato a Vice-governador na chapa do primeiro investigado, no pólo passivo da demanda na qualidade de assistente. Portanto, item que o relator Eros Grau nem vai levar em consideração.

Sem base legal
Segue abaixo, topicamente, alguns pontos do importante e histórico relatório do Procurador Guilherme Ferraz: concernente à distribuição de cheques capitaneada pela Casa Civil, não se pode deixar de perceber a precariedade da base legal invocada para a concessão de tais auxílios, uma vez que, na Lei 7.020/01, menciona-se tão somente assistência supletiva financeira a pessoas carentes, sem qualquer outro parâmetro legal que pudesse configurar os contornos mínimos de um verdadeiro programa estatal de assistência social.

Como veremos em capítulo próprio, tal precariedade contribuiu para o desvirtuamento da ação governamental, permitindo-se a concessão indiscriminada de benefícios, a qual culminou com a concessão de auxílio financeiro, por exemplo, ao próprio Chefe da Casa Civil João Fernandes da Silva, como se fosse pessoa carente (vide Anexo IX, fls. 11 e 29, e fls. 967 do laudo), em total desrespeito ao princípio da moralidade administrativa.

Os cheques
No que tange à distribuição de cheques pela FAC em 2006, verifica-se a ausência de qualquer dispositivo legal, mesmo que precário, que legitimasse a sua implementação, a despeito da alegação defensiva de que tal distribuição teria amparo na Lei 7.020/2001.

Pelo que se extrai dos autos (especialmente do laudo pericial às fls. 954/1016), aqueles auxílios financeiros vinham sendo efetivados pela Casa Civil do Governador no ano de 2005, com recursos próprios, sendo que, a partir do mês de setembro do mesmo ano, tais auxílios passaram a ser custeados com recursos do FUNCEP.

Da ausência de critérios
A ausência de base legal específica para o pretenso “programa” em tela e todas as violações a normas de planejamento e controle orçamentário acima destacadas, longe de constituírem meras formalidades burocráticas, significaram a inexistência de qualquer deliberação específica do Poder Legislativo Estadual que pudesse servir de regramento para a distribuição dos cheques em questão.

Sendo assim, a perícia judicial realizada, neste caso, demonstrou justamente a inexistência de critérios minimamente objetivos para seleção dos beneficiários dos cheques distribuídos pelo Governo do Estado. Ora, considerando as legiões de pessoas carentes existentes num Estado como a Paraíba, certamente aquela distribuição esporádica de valores não poderia contemplar todo esse universo de possíveis beneficiários. Logo, na ausência dos aludidos critérios, caberia ao agente público concessor do benefício decidir a que tipo de demanda atender, inclusive optando por um Município ou região onde concentrar atendimentos.

Paggoto na berlinda
Vale destacar que, de acordo com o depoimento do Secretário de Planejamento do Estado, Franklin Araújo (fls. 741), o Conselho Gestor do FUNCEP não estabeleceu critérios necessários para a aludida distribuição de valores, sendo que tais critérios eram definidos pelo Governo do Estado. Observe-se ainda que, conforme depoimento de um dos seus membros, D. Aldo de Cillo Pagotto (fls. 887), nas reuniões daquele Conselho não houve detalhamento sobre os mecanismos utilizados pela FAC para distribuição dos cheques.

Extrai-se desses depoimentos que a atuação do Conselho Gestor do FUNCEP limitou-se ao mero repasse de recursos, embora lhe coubesse, pela regulamentação contida no arts. 10 a 17 do Decreto 25.849/05, a responsabilidade pela elaboração e monitoramento da execução de planos de combate à pobreza, onde estariam inseridas as ações a serem financiadas por aquele Fundo.

Cartas para Cássio
Pelo que consta dos autos, os beneficiários dos aludidos auxílios seriam pessoas que dirigissem cartas ao Governador solicitando ajuda financeira (vide depoimento às fls. 886 e foto às fls. 799V), pessoas atendidas pelo próprio Governador (fls. 799B) e por servidores públicos, em eventos conhecidos como “Cirandas de Serviços” ou mesmo em suas próprias casas, por iniciativa daqueles servidores.

É oportuno refletirmos que tal forma de seleção de beneficiários passa ao largo do princípio constitucional da impessoalidade, que deveria guiar qualquer política pública, uma vez que concentra nas mãos do gestor público amplos poderes discricionários e ainda associa ostensivamente os benefícios concedidos à sua imagem de administrador.

Ademais, a mesma perícia detectou evidente relação entre a distribuição dos cheques e os eventos conhecidos como “Ciranda de Serviços” (vide quadro elaborado pela perita às fls. 983/984), nos quais o Governador (ou a Vice- Governadora) se fazia presente para atender pessoalmente, juntamente com outros servidores públicos, pessoas de municípios previamente escolhidos por aquele, com o deslocamento simultâneo de toda uma estrutura de atendimento público.

Ocorre que ao contrário do afirmado pelo Secretário da Controladoria Geral do Estado em depoimento às fls. 732/738, os Municípios que receberam os aludidos eventos foram selecionados sem nenhum critério objetivo claro, sendo que, em tais eventos, foram concentrados diversos serviços de órgãos públicos estaduais, entre os quais o cadastramento para distribuição dos multicitados cheques.

Observe-se que o art. 2º, inciso I, do Decreto 25.849/2005, que regulamentou o FUNCEP, estabelece que a consecução dos objetivos propostos dar-se-á por meio do apoio técnico, financeiro e/ou material a “programas e projetos direcionados aos Municípios de todo o Estado que apresentem os piores indicadores sociais”.

Contudo, a perícia judicial apontou a inexistência de qualquer relação entre a escolha de municípios beneficiados com a distribuição dos cheques e a escala de índice de desenvolvimento humano, sendo que o maior número de cheques foi distribuído para municípios de alto IDH, enquanto outros com baixo IDH não foram sequer beneficiados com este “programa”.

Procurador viu farra
Ora, não se pode conceber, do ponto de vista dos princípios constitucionais da administração pública (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência) a existência de um “programa” governamental que autorize uma autoridade pública a distribuir, quando bem entender, dinheiro em espécie ou em cheque a pessoas tidas como carentes, podendo atender a cartas de interessados ou mesmo determinar o comparecimento de servidores públicos a residências de tais pessoas para lhes oferecer ajuda.

Aliás, esse tipo de “programa” não encontra nenhum amparo na Lei Federal 8.472/93 – Lei Orgânica de Assistência Social, já que se revela destituído de planejamento e sistematização mínimos, que pudessem resultar num razoável efeito de redução igualitária da pobreza nas populações beneficiárias. É evidente que a distribuição dos aludidos cheques, de acordo com critérios subjetivos do administrador, não atende aos requisitos mínimos de eficiência do gasto público em assistência social, já que não se integra numa real política assistencial planejada e estruturada para duradoura inclusão social de pessoas carentes.

Da rua para o guia
Surge incontroversa nos autos a participação direta do Governador no atendimento a beneficiários do aludido programa, seja por meio de cartas, seja pessoalmente durante a “Ciranda de Serviços”, sendo que não houve sequer preocupação em se disfarçar essa associação do dito “programa” à imagem do Governador, candidato à reeleição.

Pelo contrário, o Governo do Estado chegou a contratar a veiculação de suplemento, em Jornal Local (fls. 799) justamente para reforçar tal associação, também em clara violação ao disposto no art. 37, §1º, da CF/88, que proíbe a realização de promoção pessoal de autoridades em publicidade institucional. Além disso, o próprio candidato se encarregou de ampliar essa divulgação em seu programa eleitoral gratuito, como se extrai do teor da mídia acostada às fls. 802.

Foi bondoso demais
Por fim, para sepultar qualquer dúvida acerca da relação do aludido programa com o contexto político-eleitoral, a auditoria do Tribunal de Contas do Estado concluiu pela extraordinária elevação dos gastos com esse dito “programa” às vésperas do período eleitoral, chegando-se a gastar nos meses de maio e junho de 2006 cerca de 98% de todo o quantitativo de recursos gastos no mesmo programa em 2005, exercício de maior gasto dentre os três primeiros da gestão.

As Condutas Vedadas
Nos recursos apresentados no TSE, os advogados do Governador garantem que o programa social não funcionou durante o período eleitoral. É muito bom lembrar que ele só foi suspenso por decisão judicial. Se isso não tivesse ocorrido a distribuição dos cheques continuaria sem controle.

Em seu parecer, o Procurador Guilherme Ferraz destaca as condutas vedas aos agentes públicos candidatos em período eleitoral.

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006).

Xeque-Mate
Observe-se que, a argumentação defensiva se concentra em tentar demonstrar que o “programa” em discussão estaria enquadrado entre as exceções contempladas naquele §10, ou seja, de que estar-se-ia em jogo um programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, representando mera continuidade de ações de governo na área assistencial. Contudo, como exaustivamente explicado acima, não havia sequer base legal idônea para tal “programa”, nem tampouco arcabouço orçamentário completo (plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento específico do órgão executor e planos de combate à pobreza aprovados pelo Conselho Gestor FUNCE/PB), sendo que o acompanhamento deste Ministério Público Eleitoral revelou inúmeras distorções na pertinente execução financeira e administrativa.

A multiplicação dos cheques e dos votos
Na parte final do seu parecer, Guilherme Ferraz mostra que a distribuição dos 35 mil cheques (ou 25 mil como relatou o advogado Luciano Pires) desequilibrou a disputa pelo Palácio da Redenção: “Tais cheques, como já explicado, foram distribuídos entre pessoas supostamente da camada mais humilde da população paraibana em diversos municípios selecionados por critérios subjetivos da administração estadual, sendo ostensivamente associados à figura do Governador candidato a reeleição. Sabe-se perfeitamente do impacto eleitoral que esse tipo de benesse pública pode trazer em favor do administrador candidato à reeleição, especialmente considerando-se o seu efeito multiplicador dentre familiares e outros possíveis eleitores beneficiários, os quais tendem a ser gratos à pessoa do governante e a esperar idêntico benefício no futuro”.

Arremate
Alguém tem alguma dúvida sobre o desfecho desse processo?

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