segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

MP Eleitoral - Entrevista sobre o julgamento do caso A União


O procurador regional eleitoral na Paraíba, José Guilherme Ferraz da Costa, concedeu entrevista à Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República na Paraíba (Ascom), visando esclarecer diversos aspectos referentes ao recente julgamento realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE/PB), no tocante à Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) nº 251 (caso jornal A União). Confira:


1. ASCOM - Qual a avaliação geral do senhor em relação à recente decisão do TRE/PB acerca do caso A União?

José Guilherme – O Ministério Público Eleitoral, cumprindo seu papel institucional, trouxe à evidência a discussão de temas dos mais relevantes para a garantia da lisura dos pleitos eleitorais, provocando o exame e debate aprofundado pelos membros do TRE/PB de todos os aspectos jurídicos envolvidos na matéria, inclusive com a colaboração da combativa defesa dos representados, a qual também contribuiu com a sua versão dos fatos. A decisão final demonstra claramente o objetivo de preservar valores constitucionais como a moralidade no trato da coisa pública, bem como de inibir a manipulação de veículos de mídia em favor de candidato. Por essa razão, aquela decisão assume grande importância como orientação a ser seguida por políticos e agentes públicos quando envolvidos em campanha eleitoral.

2. ASCOM - Houve bastante discussão na Corte acerca do significado do requisito jurisprudencial da “potencialidade” para reconhecimento do abuso. Resumidamente, de que se trata tal requisito?

José Guilherme – No caso, o TRE/PB reconheceu, por unanimidade, a prática de conduta vedada a agente público em campanha eleitoral, aplicando multa máxima de R$ 100 mil a ambos os representados. Ao nosso ver, essa constatação saltava aos olhos de qualquer um, considerando a clareza da Lei 9.504/97 ao proibir qualquer publicidade institucional no período eleitoral (ressalvadas exceções restritas), fato por si só já bastante grave. Lembre-se que, num primeiro momento, a defesa dos representados sequer contestou a prática da publicidade institucional vedada. A dúvida surgida no julgamento referiu-se à potencialidade desse fato, bem como da intensa promoção pessoal do governador, no ano eleitoral, para influenciar no pleito. Não se trata de uma medida matemática, mas meramente indiciária, de razoável probabilidade, uma vez que seria praticamente impossível se provar quantos votos o veículo de comunicação conseguiu efetivamente influenciar. No caso em tela, o enorme número de exemplares distribuídos por toda a Paraíba a título gratuito (próximo a 1 milhão no ano eleitoral) com dinheiro público atendeu plenamente esse requisito, motivando nosso convencimento e da maioria da Corte quanto à sua repercussão no estado. Afinal, se não houvesse tal influência, não vejo por que teriam os representados insistido tanto nessa conduta. A propósito, causou-me espanto o fato de que a Coligação Por Amor à Paraíba tenha sustentado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 213 (inclusive em recurso dirigido ao TSE) que um jornal custeado com recursos privados, com tiragem de cerca de 1000 exemplares por semana, com distribuição onerosa em uma única cidade teve potencialidade para desequilibrar o pleito 2006 na Paraíba, enquanto o candidato da mesma Coligação sustenta na Aije nº 251 que um jornal custeado com recursos públicos, com tiragem próxima a 100 mil exemplares mensais, 80% distribuídos de graça, não teria tal potencialidade. Pelo visto, a tese da coligação vale apenas para os adversários. Estivesse eu no lugar do ministro relator, ao analisar os recursos em ambas as ações, ficaria perplexo com tal contradição.

3. ASCOM - O TRE/PB considerou, por unamimidade, que o descumprimento de recomendação expedida pelo MP Eleitoral ao jornal A União, acerca da observância da legislação eleitoral, justificou a elevação ao máximo legal da multa aplicada por conduta vedada. Como se deu essa atuação pedagógica do MP Eleitoral?

José Guilherme – De fato, não faltaram alertas aos representados. Dentre as múltiplas tarefas que desempenhamos dentro do processo eleitoral 2006, participamos de evento organizado pelo TRE/PB (na companhia dos juizes Alexandre Targino e Helena Fialho), onde procuramos orientar a imprensa sobre as limitações da lei eleitoral. Nesse evento, dei ênfase especial às limitações da imprensa escrita e aos possíveis abusos a serem apurados. Em seguida, ainda expedimos a dita recomendação a todos os órgãos de imprensa do Estado, inclusive o jornal A União. Desde então, requisitamos cópias das edições do jornal para avaliação. Realmente fiquei surpreso em ver que, mesmo após tal recomendação, a publicidade vedada não só prosseguiu como até se intensificou. Aliás, mesmo após ajuizamento de ação judicial pelo MP Eleitoral, houve até publicação de edições extras com propaganda ilícita. Logo, a decisão do TRE/PB constitui um estímulo para que os representados e sua equipe de assessoria exercitem a autocrítica no sentido de reconhecerem os próprios erros, bem como o risco que assumiram adotando tal postura. Nosso papel é justamente este de mostrar aos políticos e gestores públicos que não vale a pena assumir esse tipo de risco, pois a efetiva punição é uma possibilidade concreta para todos.

4. ASCOM – Alguns têm feito comparações e apontado supostas incoerências entre as decisões proferidas na referida ação (Aije nº 251) recentemente julgada em desfavor do governador e na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime nº 07), julgada improcedente em relação ao senador José Targino Maranhão. Diante disso, o senhor constatou alguma incoerência ou mudança de posicionamento da Corte em relação ao uso do jornal A União?

José Guilherme – Cada caso concreto deve ser julgado de acordo com suas peculiaridades, que se apresentam tanto nas alegações fáticas trazidas na ação, quanto nas provas produzidas na instrução processual, além de outras especificidades que particularizam cada ação. Ou seja, as ações precisam envolver fatos e provas semelhantes para que possam ser comparadas. Isto deve ser feito com muita responsabilidade e conhecimento de causa, para se evitar comparações temerárias, entre situações diversas. Na Aime nº 07, foram concentrados vários fatos já julgados anteriormente pelo TRE/PB em ações de investigação eleitoral, sem qualquer prova nova, sendo que, no tocante ao uso do Jornal A União a acusação abrangia cerca de 20 exemplares, dos quais apenas 1 (um) se referia ao réu senador José Targino Maranhão (as demais se referindo ao candidato ao governo do estado Roberto Paulino, que não era réu na ação). O erro daquela ação, no particular, era justamente este: tentar cassar o diploma de um candidato com elementos relativos a outro. Além disso, os advogados da Coligação Por Amor à Paraíba abandonaram a causa, e não se preocuparam em produzir qualquer prova, em relação a tiragem, abrangência e forma de distribuição, nem tampouco trouxeram aos autos outros exemplares que pudessem corroborar o alegado abuso. Como se pode ver, trata-se de situação bastante diversa daquela de que cuida a Aije nº 251, ajuizada pelo MP Eleitoral, onde trouxemos aos autos todas as informações quanto à tiragem, à abrangência e à forma de distribuição, bem como todos os exemplares do jornal A União do ano de 2006. Dessa forma, o TRE/PB teve a oportunidade de examinar, pela primeira vez, de modo abrangente, a utilização daquele veículo de comunicação em um processo devidamente instruído. Portanto, não houve qualquer incoerência entre as decisões adotadas pelo TRE/PB em um e outro caso, nem tampouco mudança de posicionamento de qualquer membro da Corte nesse particular. Ao meu ver, fazer comparações deste caso com outros processos de adversários envolvendo circunstâncias absolutamente diferentes apenas serve para desacreditar as teses de defesa, ao deslocar o foco de uma verdadeira argumentação jurídica.

5. ASCOM – O senhor constatou alguma discrepância em relação ao tempo de julgamento das aludidas ações?

José Guilherme – Trata-se de ações com feições diferentes (lembre-se que a Aije é ajuizada ainda no período eleitoral, enquanto a Aime, apenas após a diplomação), razão pela qual não se revela adequada a comparação pretendida. Ademais, mesmo em ações idênticas, mostra-se difícil comparar duração de processos, que pode variar em função de vários fatores, entre os quais a conduta das próprias partes. Nesse ponto, vale destacar que o abandono da Aime nº 7 pelos advogados da Coligação Autora, contribuiu para a demora em sua apreciação. Deve-se esclarecer ainda que a Aime nº 7 resultou da repetição de vários fatos já julgados pelo TRE/PB em Aijes anteriormente ajuizadas, sendo que o tema referente à utilização do Jornal A União já havia sido apreciado no âmbito da Aije nº 158 julgada desde 07 de novembro de 2004. Portanto, embora seja bastante imprecisa essa comparação, mesmo porque esta última ação também abrangia outros fatos e diligências, não vejo distorção no tempo de tramitação desta ou da Aije nº 251. Enfim, reitero que esse tipo de comparação em nada serve à defesa dos representados no caso em tela, mas apenas ocupa o espaço que deveria ser dedicado à argumentação jurídica.

6. ASCOM - Quais os próximos passos a serem trilhados por esse processo e quais os recursos ainda cabíveis da referida decisão?

José Guilherme – O nosso sistema judicial permite uma ampla revisão das decisões de cassação de mandato e inelegibilidade como a ora discutida. Sendo assim, caso entendam presente alguma dúvida na decisão a ser publicada, os representados poderão interpor embargos de declaração para melhor esclarecer algum ponto decidido. Ultrapassada essa etapa, caberá a interposição de recurso ordinário ao TSE, onde poderão reiterar e\ou reformular toda a argumentação feita ao TRE/PB. Trata-se de um saudável mecanismo do sistema eleitoral, que permitirá aos integrantes da Corte Superior reavaliar o caso em todos os seus detalhes.


7. ASCOM – O senhor vislumbra alguma possibilidade de anulação do processo em tela pelo TSE em razão de exceções de suspeição opostas no caso?

José Guilherme – Existem duas exceções de suspeição contra juízes do TRE/PB referentes ao processo em questão, ambas em fase de recurso ao TSE, as quais, em tese, poderiam ensejar nulidades. Ocorre que ambas foram rejeitadas pelo TRE/PB à unanimidade por absoluta falta de amparo legal. Também não conheço nenhum precedente jurisprudencial que ampare aquelas alegações de suspeição. Portanto, vejo como bastante remota qualquer possibilidade de anulação do feito por esse motivo.

8. ASCOM – Qual a sua visão acerca da decisão liminar, neste momento, proferida pelo ministro relator Carlos Ayres Brito mantendo o governador no cargo até apreciação de seu provável recurso ordinário?

José Guilherme – O sistema recursal eleitoral é bastante severo contra aqueles que perdem o mandato, pois nele, em regra, os recursos não têm efeito suspensivo. Contudo, a jurisprudência tem temperado esse rigor concedendo liminares em medidas cautelares para resguardar o exercício do mandato em determinados casos. Assim, tal decisão revela-se coerente com precedentes daquela Corte, no sentido de garantir a continuidade administrativa enquanto não reavaliada a decisão de cassação de diploma. Ademais, penso que as peculiaridades do caso, inédito na jurisprudência pátria, justificam razoavelmente a postura cautelosa do ministro relator. Aliás, na própria sessão de julgamento, externei meu entendimento acerca da razoabilidade do pleito dos advogados de defesa neste particular, embora frisando que tal decisão deveria caber ao TSE. Sendo assim, até que haja pronunciamento do TSE, o governador e sua equipe devem prosseguir normalmente na administração do estado, dando seguimento aos seus programas e projetos. Entendo que neste momento especulações e exploração política do caso não contribuem para o bem-estar da sociedade paraibana.

9. ASCOM – Existe alguma outra ação ajuizada pelo MP Eleitoral semelhante à Aije nº 251, ou seja, envolvendo veículos de comunicação e abuso do poder de mídia?

José Guilherme – Na mesma data em que ingressamos com a Aije nº 251 em relação ao jornal A União, também ajuizamos a Aije nº 252 contra o Jornal o Combate e o senadores José Targino Maranhão e Ney Suassuna, apontando possíveis abusos na conduta daquele veículo de comunicação. Embora se trate de caso de menor relevância, já que não envolve recursos públicos, essa ação prossegue para apuração da abrangência da distribuição daquele jornal, inclusive com a quebra de sigilo bancário do editor para verificação de eventual participação de candidatos no financiamento do Jornal. Sem prejuízo dessa ação, também ajuizamos representação contra uma das edições desse jornal por propaganda irregular em favor da candidatura do Senador José Maranhão e em detrimento do Governador Cássio Cunha Lima (sob a manchete “Doze razões para não votar nos Cunha Lima”). Tal representação já foi julgada procedente pelo TRE/PB com aplicação de multa ao jornal infrator.

10. ASCOM – Considerando que hoje se comemora o Dia Nacional do Ministério Público, qual a sua mensagem para a comunidade paraibana?

José Guilherme – Considero a atuação do Ministério Público, em todos os seus ramos, como uma missão árdua, uma vez que, a todo tempo, implica contrariedade a interesses e atrai incompreensões. No âmbito eleitoral, essa característica acaba se exacerbando, por envolver paixões político-partidárias de vários segmentos da sociedade. Contudo, penso que a atuação retilínea, transparente e constante do órgão constrói a confiança do cidadão no funcionamento e aperfeiçoamento das instituições jurídico-eleitorais que garantem o regime democrático.

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